“O lago tinha um cheiro adocicado”. “Batidas secas na minha janela”.
Como é possível um cheiro (olfato) ser doce (paladar)? Ou até um som (audição) ser seco (tato)? O nome disso é Sinestesia. São figuras de linguagens que expressam emoções ou ideias além da pura lógica. A sinestesia é necessária para que eu explique a minha forma de lidar com sentimento. E posteriormente com a arte abstrata.
Eu creio que pensamentos e sentimentos não podem ser completamente expressados. A forma que conheço mais eficiente de se aproximar desse conceito disforme que é ideia/pensamento está na arte, justamente pela sua capacidade de ser paradoxal.
Por um instante vamos imaginar que dentro de você há uma espécie de fumaça multicolorida que tem seus movimentos acelerados e desacelerados. Vamos chamar essa coisa de Paixão.
É possível o representar como um poema. Há alguns tão intensos e vívidos que sentimos um nó na garganta. Contudo a paixão não é melhor representada em uma canção? Um trompete cuspindo notas graves enquanto de lágrimas nos olhos gritamos a todo pulmão a canção. Quase que não sou eu que canto, quase que é a própria paixão.
Mas também tem a dança… caramba. É tanta paixão que fico com vontade de voar e vou rodando e rodando pelo salão até voar sem asas.
Bom. Eu posso passar um bom tempo aqui defendendo formas diferentes de expressar as mesmas coisas. Mas me parece que em cada formato de expressão há uma limitação. O sentimento é maior. Mais poderoso a ponto de nos fazer (quase) explodir.
O que não nos impede de misturar os sentidos e as artes. Você gosta de tomar café? Eu gosto. Fim de tarde fria, um café quentinho. Parece bom. Mas a minha parte favorita do café é o cheiro! Imagine que triste um café inodoro.
Arte Abstrata.
Eu sou uma pessoa incrivelmente limitada. Há quem consiga se conectar à arte abstrata sem a necessidade de todo esse caminho. Há quem se relacione de outras formas também, mas este é outro assunto.
Por muito tempo fui a pessoa que não via valor na arte abstrata. E talvez você dê alguma razão para este meu antigo eu, mas eu também dava pouquíssimo valor a música. Você ainda dá razão para este meu antigo eu que não via valor na música?
Olhemos abaixo.
Esta cena não é abstrata. Há uma série de elementos lógicos que nos guiam, mas a cor é o elemento mais forte. O vermelho tão intenso é poder. Essa imagem para mim é uma lembrança de quando encontro obras abstratas.
A que sentimentos essa cor pertence? A que ideia ou sentimento determinada forma se assemelha? E quando me permito perguntar, as respostas aparecem. E muito pouco importa o quão certas estão, mas o sentido já não está vazio. Nestes instante eu não consigo trilhar um caminho da lógica e isso é também enriquecedor.
Na arte é possível.
Penso que pela dificuldade em seguir pelo caminho da lógica, que muita gente não dá atenção à arte abstrata. Lembro da primeira vez que ouvi uma explicação (que por acaso não faço ideia se é verdadeira ou não) sobre uma das obras de Jackson Pollock, que dizia que a arte tinha muito mais a ver com a movimentação das mãos do artista, chacoalhando os pincéis cheios de tinta em cima do quadro, do que com a posição final da tinta na tela.
Isso me fez começar a ver a arte abstrata de outra forma, adicionando o processo da feitura como parte fundamental. Pensar no contexto da arte, quando foi feita, em que lugar, em qual conjuntura, por que o artista escolheu aquele determinado material? Enfim, são questionamentos que dão uma direção para nós.
E ainda assim, às vezes, eu só não gosto. Mas já não me obrigo a gostar, entender ou aceitar. Hoje com a arte abstrata e com tantas outras coisas eu só me obrigo a tentar.